Meu avô e a felicidade
Essa era a frase do meu avô que me acompanha desde minha infância num mundo onde “ser feliz” é tudo o que interessa.
Meu avô estaria fazendo hoje 103 anos. Era um sábio e como todo sábio, muito humilde, amoroso e muito paciente. Pelo menos esse foi o avô que conheci, apesar de saber que nem sempre ele foi assim, ou seja, soube aprender com o passar dos anos e transformou sua velhice em sabedoria e exemplo para todos nós. Seu amor se derramava por toda nossa família, nas pequenas e grandes coisas. Sustentou sua família e mais outras duas pelo menos. Em sua casa sempre havia lugar para mais um. Sempre parava para nos escutar, os mais jovens, de igual para igual. Sabia escutar como nenhuma outra pessoa que conheci, talvez porque não se considerava o centro do universo. Nos almoços de domingo ou nas férias ele sempre foi o ponto de luz. Seus pequenos gestos de amor vivem nas nossas lembranças de infância, como descascar cuidadosamente cada mexerica, tirando todos os fiapinhos e os caroços para nos dar. Na minha juventude, era com ele que eu sentava nos bares para tomar chope e conversar sobre a vida, sobre minhas pequenas frustrações e meus planos. Foi ele quem foi me visitar quase no fim do mundo, atravessando toda Minas Gerais, quando eu estava fazendo o estágio rural da faculdade de medicina.
Meu avô teve uma morte rápida. Morreu feliz, certo de ter cumprido seu dever para com todos. Muitas vezes o escutei falando sobre a felicidade, e ele realmente acreditava e vivia o que dizia. Para ele felicidade é realmente a satisfação de dever cumprido. Mas na nossa conturbada e triste sociedade de hoje, ser feliz é principalmente ter bens matérias e conforto, quanto mais melhor. E além de possuir é preciso também ser capaz de mostrar essa “felicidade” para o maior número de pessoas: amigos, inimigos, conhecidos. Atrair a admiração e até a inveja dos outros é o que importa, e sua “felicidade” é mostrada por todos os ângulos. Do lado oposto dessa “ felicidade” ficam os deveres. Cumprir deveres é o pior dos castigos, uma obrigação, uma espécie de prisão e as vezes até humilhação. Mas nem sempre foi assim. Para sociedades antigas mais justas e mais sábias, cumprir dever não significava obrigação, significava realizar-se plenamente com o que se fazia, fazer a coisa certa no momento certo, em prol da sociedade e então atingir a plenitude de si mesmo e estar mais próximo dos deuses. Essa é a verdadeira felicidade, perdida para grande parte de nós.
Mas acredito que existe sempre lugar no mundo para pessoas como meu avô, que buscam um outro tipo de felicidade. Aquela que é rara porque não pode ser comprada, precisa ser conquistada, mas que nos leva à plena realização como ser humano. Aquela da qual faça parte o bem estar do outro, além do nosso próprio.
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