Ninguém entra no mesmo rio duas vezes


Piazza di Spagna 1979

Piazza di Spagna 2017






Finalmente chegamos a Roma! Há muitos e muitos anos atrás eu havia passado pela cidade eterna durante um mochilão pela Europa e, inexplicavelmente,  nunca  mais havia retornado. Até agora! Durante todo esse tempo Roma ficou nas minhas lembranças como um lugar de sonho, história, arte e ruínas.  Eu estava entusiasmada em rever uma das minhas cidades preferidas. A cidade onde se come a melhor pizza e o melhor tiramisú mas principalmente, a cidade das maravilhas do império Romano e de todos os tipos de arte, desde o solitário guitarrista cantando em frente ao  Panteon,  até a obra prima de Michelangelo no  teto da Capela Sistina.
                                                       

   Devolvemos o carro alugado e fomos para o hotel, exaustas depois de várias horas dirigindo e de dias rodando pela Europa.  O hotel estava estrategicamente localizado na Piazza di Spagna, perto das lojas mais luxuosas e caras e da vida noturna mais efervescente. Tinha uma porta grande e pesada de madeira por onde se entrava em um pequeno corredor que dava para um elevador antigo, que de tão pequeno só cabia uma pessoa com uma mala grande. Eu e minha cunhada tivemos que subir uma de cada vez, com nossas malas que foram ficando maiores a medida que transcorria a viagem de 30 dias por Portugal e Itália.  As portas engradeadas e barulhentas e os fios de aço aparentes nos transportavam para a Europa no fim  do século XIX. Subimos para um apartamento não muito grande, mas confortável, e descansamos um pouco antes de começar a dar os primeiros passos pela cidade. Eu estava ansiosa para ser surpreendida de novo por suas ruas estreitas e misteriosas que  sempre terminam nas praças mais charmosas do mundo.


Após poucas horas saímos e caminhamos direto para a Piazza Di Spagna. Eu tinha uma foto antiga guardada por décadas, sentada de frente para a  fonte, de costas para a escadaria da igreja de Trinità dei Monti  e queria tirar outra foto como aquela,  lembrar das sensações daquela viagem meio mítica de 1979,  voltar um pouco no tempo.

Chegando à praça eu procurei o melhor lugar para a foto, que ficasse mais parecida com a de 1979. Sentei no mesmo pequeno muro que rodeia a escultura impressionante de um barco com grandes peixes ao redor e pedi para minha cunhada bater a foto, tentando me lembrar da Rachel de quase 40 anos e daquela viagem incrível.

Fontana di Trevi 2017
Bom, aí estão as fotos. Sou eu mesma, hoje com mais de 60 anos, com a bolsa cruzada na frente, cabelos mais curtos e sem jeans, porque viajar de jeans foi se tornando desconfortável à medida que os anos se passaram.



Fontana di Trevi 1979











Coliseu 2017


Mas nada estava como costumava ser, nem eu, nem a praça, nem Roma, nem nada naquela viagem. Apesar de continuar sendo Rachel, eu estou muito diferente daquela menina de 24 anos, muitas coisas aconteceram.  Eu ganhei uma vida inteira, muitas rugas e cabelos brancos. Atravessei todo um mar de experiências, muitas boas e outras nem tanto. Enquanto a praça, apesar de mais linda, limpa e rejuvenescida, perdeu a metade do seu charme, se tornou meio asséptica, tudo perfeito e nos seus devidos lugares,  cheia de atentos policiais. Na época da minha primeira viagem os turistas eram despreocupados e curiosos,  tudo estava para ser  descoberto, desde a ruína subterrânea inesperada numa rua movimentada até o bar mais "descolado" do Trastevere.   Hoje está tudo já descoberto, revelado e massificado. É só seguir o roteiro.  A quantidade de pessoas hoje é muito  maior, muitos jovens apressados. Todos tomam conta das mochilas e celulares temendo os furtos no meio da multidão. A grande maioria das pessoas parece só curtir o lugar quando estão fazendo milhares de fotos e selfs que compartilham na mesma hora  nas redes sociais. Sem contar os grupos de  soldados do exercito por perto nos lembrando sempre das ameaças terroristas.

Ou seja, o mundo não é mais o mesmo, a praça não é mais a mesma e muito menos as pessoas e a sociedade em geral! Não existe mais curiosidade ou grandes descobertas. Parece que o medo e a tecnologia impregnam tudo e todos, os contatos virtuais preponderam e a beleza já não impressiona ou emociona tanto os corações. Talvez tenha sido ingenuidade minha querer voltar no tempo e achar alguma conexão entre os dois momentos da minha vida.  
Como disse Heráclito, o filósofo grego pré-socrático: " Tudo flui, tudo está em movimento, por isso não se pode entrar duas vezes no mesmo rio, porque na segunda vez tanto você, quanto o rio já estão mudados, não são mais os mesmos."

Coliseu em 1979





  


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