Segredos do Caminho de Santiago - 4ª parte- Peregrinos


Com a trupe de italianos.






O Caminho é sempre cheio de peregrinos. Mas sentia falta de Andréia e Celinha, e muitas vezes me lembrava dos dias de caminhada com elas.






Saída de Roncesvalle

Saímos de Roncesvalles, na fronteira com a França aos pés dos Pirineus, em um dia de Setembro, pela manhã bem cedo. Não tinha clareado ainda e a neblina tornava a paisagem mais bonita. Estava muito frio e eu estava na expectativa de começar a jornada para a qual tinha me preparado, ou pelo menos eu achava que tinha.  Passamos a noite em um convento antigo, em grandes camas com lenções de linho branco. Mas o banho foi gelado naquela manhã, não tinha água quente! 


Os primeiros quilômetros de caminhada foram difíceis, muitas subidas e descidas, trechos com muitas pedras, já anunciando o que nos esperava no Caminho. Fizemos um planejamento de percorrer pelo menos 24 quilômetros por dia. Todas as paradas já tinham sido programadas. Já no fim do primeiro dia percebi que meu “treinamento” não foi muito adequado. Cheguei completamente exausta no albergue em Zubiri. Mas a partir daí parece que o corpo foi acostumando e as caminhadas tornam-se divertidas, mesmo com todos os obstáculos. No segundo dia comecei a sentir meus joelhos. Com as bolsas de gelo, massagens e os anti-inflamatórios que Andreia havia levado eu conseguia caminhar, algumas vezes com menos dor, outras vezes com muita dor.
Eu e Andréia em Astorga

As paradas para descansar, ir ao banheiro e tomar o “cafe con leche” eram sempre muito confortantes. Uma das coisas mais incríveis do Caminho é a quantidade de peregrinos de todos os lugares do mundo e de todas as idades. A maioria deles é de europeus, muitos de cabelos brancos, com mais de 70 anos. Percorríamos longos trechos com eles compartilhando todas as sensações do Caminho.

De todos os dias, o mais divertido foi quando encontramos uma trupe de italianos no caminho para Rabanal.  Caminhamos com eles, sempre conversando alto, gesticulando e contando histórias. Conversávamos em espanhol ou num italiano misturado com português, mas nos entendíamos. Era um grupo de teatro formado por jovens barulhentos e muito alegres. À noite, no albergue, fizeram um jantar italiano com muito vinho, cantoria e dança até tarde da noite.  Maravilha! No dia seguinte estávamos felizes e prontos para mais um dia no Caminho.

Eu e Gino na porta do albergue




       
"Vira, vira !"
Dança no albergue


         
















As catedrais são inesquecíveis! As que mais me impressionaram foram a de Leon, de uma beleza fantástica com seus grandes vitrais coloridos em vários tons de azul e a catedral de Burgos, pelo seu enorme tamanho! Sobre a  Catedral de Santiago, essa foi especial em todos os sentidos, mas conto depois! Sempre entravamos nas igrejas e o principal motivo não era conhecer, mas agradecer e pedir proteção até o fim do Caminho. Independente da religião, geralmente todos os peregrinos seguiam esse ritual.

Muitos foram os “apertos” pelo caminho. Certo dia em Logronho, saí do albergue para procurar um telefone público para ligar para o Brasil (hoje é até difícil imaginar uma época em que não existia o celular). Eu ligava sempre para falar com meus filhos, que estavam na casa de minha mãe. Naquele dia liguei para meu ex-marido. É difícil para alguém que nunca enfrentou uma separação entender o quanto é doloroso separar de alguém que você ama. Num momento do relacionamento, que nunca percebemos quando, o outro faz parte de você mesmo, parece que entranha no seu coração e no seu corpo, a ponto de perdermos o senso de individualidade, algumas vezes. Foi o que aconteceu comigo, e por isso foi tão doloroso. Mas continuávamos nos falando, afinal era o pai dos meus filhos. Após o telefonema eu comecei a sentir uma taquicardia forte e sensação de desmaio imediato, precisei entrar em um prédio e me deitei no chão por alguns minutos, sozinha, num país estranho e sem minhas amigas por perto. Duas pessoas se aproximaram para ajudar, mas por sorte, depois de poucos minutos a taquicardia passou. Fiquei ali sentada por um tempo até que voltei ao albergue, sem traumas, não por causa de um simples mal estar.

Os sonhos eram sempre muito marcantes e transcendentes.  Em Castrojeriz tive um sonho muito vívido que eu senti como real. Sonhei que estava durante uma noite escura no alto de uma grande rocha e de repente se aproximou de mim uma luz violeta intensa em espiral, veloz e muito poderosa. Ao chegar perto do meu rosto se transformou numa pessoa, um guardião que estava ali para me proteger. Sonhos como esse nos davam força e determinação no rumo do nosso objetivo, Santiago de Compostela.

Por fim, o Caminho de Santiago é como nossa vida condensada em 30 dias, tem de tudo um pouco. Tem muita beleza, alegria, brincadeiras e vinho. Mas também tem dor, dificuldades  e saudades. Mas, principalmente, tem uma vida sua lá no seu país de origem, que você pode ter o privilégio de observar de longe. E, acima de tudo,  tem você, o grande protagonista.




Comentários

  1. Estou acompanhando o seu relato e de um amigo sobre o Caminho de Santiago, é interessante como um tem depoimentos profundos, do íntimo que chegam a bater no fundo do coração, enquanto que o outro são relatos de lugares e pessoas que encontra, alguns depoimentos mais profundos de sensações e lembranças. Conhecer este caminho através de vocês é super interessante, mas reencontrar a sua alma através dos seus relatos é maravilhoso! Obrigada por se desnudar, acho que você está novamente percorrendo um novo caminho de Santiago de Compostela! Beijo grande no coração

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