Segredos do Caminho de Santiago- 5ª parte- A Chegada em Santiago de Compostela
Catedral de Santiago. |
Depois
de caminhar os últimos dias sem minhas companheiras de viagem, e sempre com dor
nos joelhos, chegou finalmente o dia em que eu me aproximava de Santiago de
Compostela. Muita emoção nessa aproximação, sentimentos de realização e de
gratidão. Todos os esforços, todos os lindos, alegres, difíceis, terríveis e
inusitados momentos do Caminho foram ficando para trás.
No túmulo de São Tiago |
Entrei na cidade sozinha e fui direto para a Catedral de Santiago cumprir o último e mais emocionante ritual sagrado: assistir a missa dos peregrinos. Esse é o momento mais esperado de toda peregrinação, onde deixamos nossos cajados, onde entregamos a Deus nossa vida de antes e de depois e onde está o túmulo de São Tiago, um dos apóstolos de Jesus Cristo. A Catedral é linda e magnífica, também pelo clima de devoção, pela quantidade de peregrinos cansados, sujos e muito felizes. As missas se sucedem durante o dia e sempre com a participação em massa dos peregrinos, à medida que eles vão chegando à cidade. Quando entrei a catedral estava lotada e uma missa estava começando. Ajoelhei e acompanhei cada palavra com total devoção e muito emocionada. Comunguei junto com a maioria dos peregrinos. Lembro-me da sensação na fila da comunhão, enquanto via passar sobre minha cabeça um enorme defumador de bronze pendurado em correntes de metal, pendulando por toda extensão da catedral. Ele soltava fumaça branca com um maravilhoso cheiro de mirra e rosmarinho que se espalhava por todo o ambiente. Posso dizer, com certeza, que aquele foi um dos momentos mais transcendentes. Um daqueles poucos momentos em que você sabe que está presença de Deus, estando ou não numa Catedral.
Assim
que terminou a missa fui para o albergue onde ficava a maioria dos peregrinos
naquela época. Um grande e antigo colégio católico chamado Seminário Menor,
situado em uma colina um pouco distante do centro da cidade. O lugar era lindo,
cheio de paz e enorme, com grandes escadarias, refeitórios e grandes
dormitórios com várias camas e janelas de vidro que iam do chão até quase o
teto. Num desses dormitórios foi onde eu fiquei. Aquela altura, não tinha a
menor ideia de onde estavam Andréia e Celinha. Se elas já haviam chegado ou se
ainda estavam no Caminho. Enquanto isso, me acomodei no albergue com dificuldades para
subir e descer as escadarias. Lembro-me de um momento, no meio de uma escada,
quando me perguntei se algum dia eu iria andar normalmente de novo.
Nesse
albergue muito especial encontrei um lindo peregrino alemão, uma pessoa também
muito especial, que se aproximou de mim. Nós começamos a conversar em inglês. Ele era bem jovem, magro e alto, traços finos, cabelos castanhos e longos, vestia um colete
por cima da camisa, botas e calças de trilha. Estava chegando também, e
carregava ainda sua mochila nas costas. Conversamos na janela, com a vista da
cidade descortinada. Era final da tarde e as luzes estavam começando a acender
em Santiago de Compostela.
- "Você é uma mulher muito bonita!" Uma forma bem comum de aproximação, mas que sempre me deixava sem saber o que dizer.
- "Olá ! Você parece estar bem
cansado e com fome! Eu tenho algumas frutas na minha mochila se quiser. Meu nome é Rachel."
- "Cheguei agora do Caminho. Estou com fome sim, mas vou tomar uma ducha primeiro. Meu nome é Wilheim." Parece que ele percebeu logo minha cara de interrogação porque em seguida continuou:
- Bom , já sei que é difícil entender, em inglês é mais fácil, Willian." Ele sorriu e ficou ainda mais bonito. Demorei um pouco para retomar o rumo da conversa.
- "O banheiro é ali. Este dormitório ainda tem muitas camas livres, pode escolher qualquer uma."
- "Você é brasileira, não é? Vi o boton na sua mochila. Durante todo Caminho uma das minhas distrações foi contar o número de países diferentes, foram 24! Algumas bandeiras eu conheço, como a brasileira por causa do futebol. Sou de uma cidade do interior da Alemanha, Freiburg, você quer ver uma foto?"
- Bom , já sei que é difícil entender, em inglês é mais fácil, Willian." Ele sorriu e ficou ainda mais bonito. Demorei um pouco para retomar o rumo da conversa.
- "O banheiro é ali. Este dormitório ainda tem muitas camas livres, pode escolher qualquer uma."
- "Você é brasileira, não é? Vi o boton na sua mochila. Durante todo Caminho uma das minhas distrações foi contar o número de países diferentes, foram 24! Algumas bandeiras eu conheço, como a brasileira por causa do futebol. Sou de uma cidade do interior da Alemanha, Freiburg, você quer ver uma foto?"
Ele
tirou do bolso da mochila uma foto toda amassada e me mostrou. Chegou seu rosto
bem perto do meu e disse: - Você está
vendo as luzes da Catedral lá no fundo?
Eu
virei para ver, ele colocou sua mão por cima da minha, chegou seu rosto mais
perto do meu e nos beijamos longamente, como dois adolescentes livres e
despreocupados.
Passamos aquele fim de tarde e quase toda a noite juntos, conversando, rindo à toa, brincando como crianças, contando as nossas aventuras no Caminho, sem perceber o entra e sai dos peregrinos no dormitório. Era como se fosse só nós dois. Muito romântico, mas real! Ele me deu um pequeno pedaço de papel com seu nome e o meu dentro de um coração e um "I love you" em letras garrafais. No papel estava também o endereço dele em Freiburg. Guardei esse pequeno pedaço de papel por muitos anos na carteira, esperando, quem sabe, um dia ir a Freiburg, o que nunca aconteceu.
No
dia seguinte acordei tarde. A mochila de Willian estava em cima da cama dele mas ele não estava no dormitório. Nunca mais nos vimos. Numa época sem celular e sem "self" eu fiquei sem uma foto do lindo peregrino, mas o que tenho na lembrança é, provavelmente, melhor que qualquer foto.Tomei o café da manhã no refeitório e saí para buscar o meu troféu, a Compostela: a concha e o
documento certificando que eu fiz o Caminho de Santiago. Ali, no local onde distribuíam
as Compostelas para os peregrinos, eu iria finalmente encontrar minhas
companheiras de viagem, das quais havia me separado uma semana atrás.
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