Meu aniversário fugiu!




Alguns dizem que existe uma barreira de gerações entre uma avó e seus netos. Se existe, ela é uma barreira feita de beijos, carinho, abraços e muitos presentes. Na verdade, são extremidades da vida com muitas coisas em comum.Assim como os netos, as avós começam a dormir cedo, não podem ver filmes muito violentos ou muito tristes, adoram doces, falam algumas coisas sem pensar, não se importam com o ridículo e algumas até fazem xixi na calça algumas vezes. Como diz Manu, “it’s dripping, vovó!”  Mas nada une mais uma avó a seus netos que risadas, muitas risadas! Eles riem das mesmas coisas. Ou quase... 

Certo dia, Manuela e eu estávamos voltando de mais um aniversário de uma das suas amiguinhas. Um lindo sábado de verão no Canadá, céu azul, temperatura perfeita. Duas amigas já tinham feito aniversário neste mês de julho, com festa, brinquedos, bolo e surpresinhas no final. Mais uma das amigas próximas já estava com aniversário preparado para daqui a duas semanas.  Manuela se divertiu até, entrou em todos os brinquedos, fez aquela cara extasiada de sempre ao ver o bolo! Mas no final da festa já começou a ficar meio chateada, chorosa.

Na volta, quando caminhávamos para casa, ela começou a chorar de verdade, e continuou, continuou, por meia hora. Durante todo o caminho ela chorava copiosamente, soluçando, se debulhando em lágrimas porque o aniversário dela estava demorando a chegar e além do mais, não era no verão!

Aí começou meia hora de um insólito e hilário diálogo regado a um choro sentido:
- “Meu aniversário está fugindo de mim, vovó! Ele não chega nunca!” soluços e lágrimas...
- “Eu procuro todos os dias de manhã e a noite e não encontro ele!  Eu tento e tento! Procuro lá no fundo, mas ele não está! Não sei o que eu fiz de errado! Eu procuro e não acho, vovó! “ mais soluços e lágrimas...

Nessa altura, eu já tive que esconder meu rosto atrás do balão cor de rosa que estávamos levando para casa para ela não me ver rindo.

 E ela continuou:
-“ Todo dia de manhã eu peço, eu procuro por ele, mas não encontro, ele foge de mim! Eu quero meu aniversário, vovó!! " soluços e lágrimas...
- “Eu quero meu aniversário no summer, quero ir para uma piscina, fazer a festa outside, vovó, como minhas amigas, mas ele nunca chega! Ele não vem vovó! Está fugindo de mim!” mais soluços e lágrimas...

Eu escondia o rosto no balão com vontade de soltar uma gargalhada!  Mas era tão sério o assunto para ela! Ela misturava palavras em inglês no meio do português, como sempre faz quando está falando rápido ou quando está brincando.

-Mas seu aniversário é em novembro Manuela, ele vai chegar logo!

- “No summer é mais legal, vovó! Quero meu aniversário  amanhã! Mas ele não vem! Ele só foge, foge de mim, vovó!” soluços e lágrimas...

Depois de 15 minutos escutando ela reclamar eu resolvi rebater!

- “Mas Manuela, o meu aniversário é muito pior! Ele vive me perseguindo!  Aparece quando eu menos espero! Quando vi, ele já chegou de novo! Não aguento mais! Eu tento, tento, mas ele sempre aparece, rápido demais!”  falei séria e com a voz meio chorosa.

Manuela parou um pouco sua ladainha e me olhou meio desconfiada, com cara de quem não estava acreditando. Como um aniversário pode chegar assim tão rápido, se o dela fugia e fugia e demorava tanto?

E eu continuei;
- “Não aguento mais Manuela, ele aparece sempre, me persegue, e eu não queria! Porque ele não demora um pouco? O que eu fiz de errado?”

_ “Mas o meu é pior, vovó! Ele foge de mim! O que eu vou fazer? Eu procuro todos os dias de manhã, e ele não está lá! Eu peço de noite e ele não vem!  bua!!! bua!!! e mais lágrimas e mais soluços!

Tentando me manter séria e para terminar o assunto eu falei que íamos resolver com a mãe dela. Mas ela continuou até chegarmos perto de casa e ver uns cervos passando quase em frente a sua porta. Soltou um grito de alegria e correu para vê-los. E esqueceu totalmente o choro e a preocupação com o aniversário. Pelo menos até o dia seguinte, quando foi conversar com a mãe sobre o assunto.

Como dizia Drummond: “ Esse hábito de sofrer que tanto me diverte...”




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