Segredos do Caminho de Santiago- 3ª parte- Alerta vermelho: vendaval


Depois da discussão no dia anterior, não tinha “clima” para que eu caminhasse com minhas companheiras de viagem até Triacastela, o próximo destino a 24 km de distância. Elas estavam chateadas comigo, e eu me sentindo culpada e rejeitada.
Decidi acordar mais cedo e sair sozinha. Encontraria com elas no final do dia no albergue
em Triacastela.

 Assim que levantei fiquei sabendo de um alerta vermelho avisando sobre vendaval naquela região do norte da Espanha, para aquele dia. Esses avisos são comuns em determinadas épocas do ano.  Mas a chuva havia passado e o céu estava claro naquela manhã quando acordei.  Não queria encontrar com minhas amigas, que já deveriam estar levantando. Portanto, tomei o café da manhã rapidamente, peguei minha mochila e saí.

Galicia
Quando comecei a trilha percebi que o vento estava mais forte que o normal. Na paisagem linda e verde da Galícia, as árvores começaram a balançar tanto que resolvi sair da trilha e ir pela estrada de asfalto. Ali seria mais fácil encontrar  abrigo se precisasse. Continuei caminhando descendo a montanha até que começou a chover de novo e a ventania piorou. A essa altura, não via nenhum peregrino pelo caminho. O vento começou a soprar muito forte, fazendo muito barulho.  Minha capa de chuva batia com força nas minhas pernas.  Estava muito difícil caminhar, mas eu insistia. Não queria nem pensar em voltar ao Cebreiro. Imaginei que Andreia e Celinha já tinham saído também de lá. Como estariam se virando debaixo daquela ventania toda? Nunca tinha visto nada igual no Brasil. Nunca tinha passado por um vendaval, muito menos a pé!

Esperando o albergue abrir
Caminhei por quase 10 km até que encontrei um pequeno café na estrada, onde parei para descansar e esperar a ventania diminuir um pouco. Pela minha cabeça só passava a ideia de chegar logo a Triacastela e como estariam minhas amigas. Quando me lembro daquele dia me pergunto como eu consegui. No final, a ventania melhorou um pouco e eu cheguei a Triacastela sã e salva.  Cheguei ao albergue por volta das 4 horas da tarde, molhada e muito cansada. Mas uma coisa eu percebi: meu joelho aquele dia me incomodou bem menos!

Tomei um banho, comi alguma coisa num restaurante perto do albergue e fiquei por ali mesmo, observando alguns peregrinos que chegavam, esperando ver Andreia e Celinha chegarem a qualquer hora. Andreia devia estar mais calma, eu ia me desculpar de novo e nós três chegaríamos em paz em Santiago de Compostela dentro de poucos dias.

Mas elas não chegaram. Fui dormir mais tarde esperando e pensando no que teria acontecido.  Será que desistiram de parar em Triacastela e foram para outra cidade? Será que estavam evitando me encontrar? No dia seguinte acordei triste e sem nenhuma pista sobre as duas. Perguntei para outros peregrinos. Ninguém tinha noticias delas.

A partir daí eu caminhei sozinha até Santiago. Posteriormente fiquei sabendo que elas tentaram iniciar a trilha, mas desistiram por causa do vendaval. Ficaram no Cebreiro naquele dia. Com isso nos separamos. Segui o meu caminho solitário nos seis últimos dias, de Triacastela para Sarria, de Sarria a  Portomarin, de Portomarin a Palais de Rei, de Pais de Rei a Arzúa, de Arzúa a Ruá e finalmente de Ruá a Santiago de Compostela.

E foi muito bom caminhar sozinha. Pude pensar na minha vida, sentir o cheiro delicioso do ar da Galícia, curtir as paisagens e o verde, o clima mais frio e úmido. Meu joelho continuava doendo mas não me impediu de caminhar. Por vários trechos caminhei com peregrinos de todos os lugares do mundo e conversamos sobre nossas vidas e nossos países. É impressionante a sensação de paz e de felicidade, não importa o quão difícil ou doloroso possa ser algumas partes do Caminho. Mesmo no frio, molhada ou com dor nos joelhos eu hoje me lembro da sensação de me sentir protegida, feliz e em paz, debaixo da minha capa de chuva amarela. Ali eu aprendi que dificuldades são fundamentais para nos tornar mais forte, assim como muito conforto nos debilita e nos torna medrosos.

Mas pensava sempre onde estariam Andreia e Celinha e comecei a lembrar dos nossos dias no Caminho. 


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